sábado, 24 de março de 2018

PARTE II - DIREITOS POLÍTICOS DOS IMIGRANTES NO BRASIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS


Em alguns lugares, são considerados cidadãos todos os integrantes do Estado, sem tomar em conta o problema dos direitos políticos. Geralmente, a diferenciação é acolhida pelos ordenamentos jurídicos dos Estados, estabelecendo uma separação entre os direitos destinados a todos os nacionais e os direitos restritos aos cidadãos. (VIEIRA, 1995, p.69).





O Brasil, as dinâmicas migratórias e o mundo sofreram diversas transformações. Nesse contexto, insere-se a questão da reivindicação da “condição de sujeito” ao imigrante na estrutura moderna. Na obra de SAYAD (1998): “A Imigração ou os paradoxos da alteridade”, é realizada uma análise sobre o processo de imigração, o qual é definido como um como um processo de amplitude total, partindo das condições que levam à emigração até as formas de inserção do imigrante no país de destino. Estudando o tema imigração a partir do estudo de caso Argélia e França, o autor trata de inúmeras variáveis condicionantes que se revelam no processo de deslocamento do sujeito emigrante/imigrante. Nesse sentido, o imigrante 10(CAGLIARI, 2010, p.229) .


Colocar com nota de rodapé a seguinte citação: O pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, promulgado pelo Brasil em 1992, objetivando desenvolver os princípios da Declaração Universal de 1948, afirmou que todo cidadão terá o direito de “participar da condução dos assuntos públicos”, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos”, além do direito de votar e ser votado e de ter acesso em condições de igualdade, às funções públicas de seu país (art 25). A Declaração Universal de 1948 já havia proclamado (art.21) que a soberania popular faz parte daqueles direitos essenciais para a dignidade da pessoa humana e da atividade política. Em 1993, a Declaração de Viena consagrou a democracia como “o regime político mais favorável à promoção e à proteção dos direitos humanos”.


  • Em consequência, podemos afirmar a relação fundamental entre democracia, direitos humanos e participação dos cidadãos na esfera pública. (BENAVIDES, 2010, p.94). 7 vem servir como força de trabalho e passa a constituir um "problema" para o país que o utiliza. Sendo a necessidade do mercado de trabalho circunstancial, o "imigrante" é considerado um ser "provisório", mesmo que esta provisoriedade dure mais por tempo indeterminado.


O que diferencia o estrangeiro do imigrante, segundo SAYAD é:


  • Um estrangeiro, segundo a definição do termo, é estrangeiro, claro, até as fronteiras, mas também depois que passou as fronteiras; continua sendo estrangeiro enquanto permanecer no país, mas apenas até as fronteiras. Depois que passou a fronteira, deixa de ser um estrangeiro comum para se tornar um imigrante.


Se "estrangeiro" é a definição jurídica de um estatuto, "imigrante" é antes de tudo uma condição social. (SAYAD, 1998, p 243) Dessa forma, a diferença estabelecida entre ser estrangeiro e ser imigrante, num dado plano nacional, é condicionada não por um estatuto jurídico, mas sim por uma condição social. O reconhecimento do espaço do imigrante pressupõe o chamado “direito de imigrar”. Seguindo esta lógica, na obra “Direito de imigrar:


  • Direitos Humanos e Espaço Público” de REDIN (2013), observa-se que a constituição de uma identidade política diferente dos modelos tradicionais-codificados, não está atrelada à noção de pertencimento a uma comunidade política anterior, mas sim de ser participante de uma rede de produção que recria o espaço-público para além da fronteira. Ao longo da obra, Redin responde à indagação sobre qual seria o lugar da realidade humana migratória nessa ordem política: O lugar é o da clandestinidade.
Essa condição é direcionada pelas legislações estatais que restringem o ingresso de imigrantes às condições de interesse nacional, bem como pela política estatal de segurança contra o ingresso e a permanência de estrangeiros fora das condições reguladas pelo Estado, as quais, em geral são disciplinadas administrativamente.


  • [...] O Estado reconhece que esse estrangeiro é um sujeito de direitos humanos. No entanto, o impede de participar do espaço-público, como sujeito de seu próprio destino. (REDIN, 2013, p.209) Observa-se também, a construção de uma “violência silenciosa”, quando da segregação do humano pelo vínculo formal de cidadania, a qual é fruto da modernidade arraigada à ideia da vontade soberana. Paradoxalmente, a modernidade, que estrutura a concepção de “espaço público” na ordem jurídica e no Estado, inclui o estrangeiro pela exclusão.
Em relação à violação dos direitos humanos12 e as funções do Estado, a autora compreende que, apesar de os imigrantes serem agentes da produção de eventos 12 A arquitetura político-normativa dos direitos humanos assegurados nas variadas convenções internacionais, inspiradas na Declaração dos Direitos Humanos de 1948, segue o modelo das organizações sociopolíticas formatadas em estruturas de estado-nação, que historicamente legitimam 8 geradores de um espaço-tempo transnacional projetado no espaço geográfico do Estado, não possuem espaço de reivindicação, para exercer o “seu direito a ter direitos”. Nesse sentido, “são estrangeiros sem voz no cenário internacional, não possuem espaço institucionalizado e, ainda que tivessem, é no Estado que ambientalmente esses sujeitos “não sujeitos” estão”. (REDIN, 2013. p.82).


Dentro da ótica de que os direitos humanos pressupõem escolhas públicas, e que estas implicam em um alto grau de participação do indivíduo na vida pública, pode-se fazer alusão ao pensamento de Hannah Arendt13 na obra “A promessa da política”, onde essa participação requer a possibilidade do agir, do começar e do conduzir, visto que supõem capacidade humana de julgamento. Entretanto, a estrutura político-jurídica que restringe a participação do indivíduo na vida pública, por meio também do critério da cidadania, permite que o homem se refugie “num interior onde, na melhor das hipóteses, é possível a reflexão, mas não a ação e a mudança”. (ARENDT, 2009 ,p.160) Seguindo a lógica da discussão da cidadania aliado aos conceitos de identidade e globalização, Lizt Vieira (2009) aborda sobre o tema da globalização econômica e o enfraquecimento dos laços territoriais que ligam o indivíduo e os povos ao Estado, deslocando o locus da identidade política, diminuindo a importância das fronteiras internacionais e abalando seriamente as bases da cidadania tradicional.


A globalização econômica tende, assim, a produzir um declínio na qualidade e significação da cidadania, a não ser que as ideias de filiação política e identidade um processo de apropriação do humano e da vida. Esses direitos são compreendidos como instrumentos político-filosóficos de libertação da pessoa contra as estruturas sociais de privaçãodominação. Outro mito. A formatação dos direitos humanos nos sistemas democráticos modernos pode estratificar preconceitos que conduzam à legitimação da “manutenção” da violência, agora não ostensiva, do Estado sobre a pessoa, pela aniquilação do político. (REDIN, 2013, p.24) .


Em sua outra obra “As Origens do Totalitarismo”, Hannah Arendt faz o diagnóstico da violência velada que o Estado-nação, por meio do interesse do Estado, impunha àqueles não sujeitos “refugo da terra”, os sem Estado (ou apátridas) ou as minorias étnicas refugiadas das guerras civis do entre guerras e pós-Segunda Guerra Mundial, os quais não eram bem-vindos e não podiam ser assimilados em parte alguma. (ARENDT, 2005)  Para Liszt Viera, a ideia de cidadania já não pode mais ser unicamente associada ao estado nacional porque:


  • (a) os direitos do humanos no plano internacional não estão circunscritos a uma proteção restrita ao Estado-nação;
  • b) as migrações em massa e a multiplicação dos refugiados mudam a composição da população, que deixa de ser homogênea;
  • c) a globalização incrementa, intensifica e acelera as conexões globais e regionais, transformando a cidadania democrática de base territorial.


Desse modo, sustenta que a cidadania fundada na nacionalidade tornou-se um obstáculo à igualdade e à liberdade de todos os indivíduos e propõe que o local de residência, e não mais a nacionalidade, seja o fundamento da cidadania. (VIEIRA, 2009) existencial possam ser efetivamente vinculadas a realidades transnacionais de comunidade e participação em um mundo “pós-estatal”:


Dessa forma, o estado-nação, como forma dominante de identidade coletiva fundada na homogeneidade cultural, vê-se hoje cada vez mais desafiado por uma sociedade crescentemente pluralista ou multicultural, contando com grande diversidade de grupos étnicos, estilos de vida, visões de mundo e religiões, desenvolvida simultaneamente nos planos infraestatal e supraestatal. (VIEIRA, 2009, p.80) .


Ao longo do texto, Vieira compreende que na cidadania em que todos são iguais, a igualdade é uma reivindicação normativa, como a liberdade ou independência. Quanto à indagação de saber se a cidadania pode tornar-se fonte de uma identidade, na obra “Consumidores e cidadãos:


  • conflitos multiculturais da globalização”, Canclini (1999) diz que a identidade nacional que possui base territorial e é quase sempre monolinguística foi construída em detrimento de outras identidades e tem caráter contrastivo em relação às demais nacionalidades. Consequentemente, esse tipo de identidade moderna “explodiu” e deu lugar a identidades pós-modernas marcadas pela transterritorialidade e multilinguística que se estruturaram menos pela lógica dos Estados do que pela dos mercados.
Ao se enfocar os direitos humanos sob a perspectiva do Direito Constitucional Internacional, PIOVESAN (2013) faz uma avaliação da dinâmica da relação entre o Direito brasileiro, especialmente a Constituição Federal de 1988, e o aparato internacional de proteção dos direitos humanos, investigando como este aparato pode contribuir para a efetivação destes direitos no país, de modo a redefinir e reconstruir o próprio conceito de cidadania no âmbito nacional:


  • Ao romper com a sistemática das cartas anteriores, a Constituição de 1988, ineditamente, consagra o primado do respeito aos direitos humanos, como paradigma propugnado para a ordem jurídica interna ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos. A prevalência dos direitos humanos, como princípio a reger o Brasil no âmbito internacional, não implica apenas o engajamento do País no processo de elaboração de normas vinculadas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas sim a busca da plena integração de tais regras na ordem jurídica interna brasileira.


Implica, ademais, o compromisso de adotar uma posição política contrária aos Estados em que os direitos humanos sejam gravemente desrespeitados. (PIOVESAN, 2013, p.102) . Apesar de apresentar vários avanços significativos no processo de redemocratização, as vedações aos direitos políticos dos estrangeiros são previstas também no corpo constitucional brasileiro. A Constituição da República de 1988 prevê em seu art. 14 que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, mas não podendo alistar-se como eleitores os estrangeiros, pois a nacionalidade brasileira é condição de elegibilidade.





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